Wednesday, November 08, 2006



Espero que fique alguém. Já não há sustos que não queira apanhar. Já não há paredes entre a luz e o horizonte, nem animais a voarem no céu, nem a minha imaginação está a estiolar-se mais ou menos do que o normal. A minha respiração não anda contida, nem os meus olhos mais ou menos molhados. O piano continua nas escadas onde o deixei. Onde o abandonei. E os animais que estavam no céu, onde estão? Já não há medos perdidos nas mãos dos outros, nem nas suas veias corre um sangue diferente do que antes. Nada mudou. Tudo muda. Não há, sequer, vozes caidas nos ombros de cada um, nem cada um tem uma voz só. Não há dentadas suficientes para todos os que precisam de acordar. As pessoas gostam de dormir. Eu ando a dormir. Já nem há ponteiros para os relógios da vida, cada um constrói o seu próprio tempo, conforme lhe apetece. Não interessa se o tempo dos outros precisa do nosso tempo. Não é? Já nem há, por aí, malditas dores no peito. Só dói o peito de quem vive. Só vive quem lhe dói o peito. Já não há como dizer o que há para dizer.



Raquel Kraft